A abertura da ação pela 2ª Promotoria de Justiça da Criança e do Adolescente da capital foi divulgada nesta sexta-feira (10) e abrange as entidades de acolhimento que integram a política de assistência social do município. O caso tramita sob sigilo.
As apurações pela promotoria começaram após reportagem, publicada em 25 de abril, denunciar maus-tratos contra crianças e adolescentes abrigados na Casa do Piá 1. A unidade abriga menores de idade acolhidos por determinação judicial.
“A judicialização da questão foi decidida após tentativas frustradas de resolver a situação extrajudicialmente, diante da inércia e da omissão dos responsáveis pela política de assistência social do Município, inclusive após denúncias específicas, publicadas pela imprensa, de maus-tratos cometidos contra três adolescentes acolhidos institucionalmente”, afirmou o MP-PR.
O g1 apurou que, nesta sexta, a 3ª Promotoria de Justiça de Infrações Penais Contra Crianças, Adolescentes e Idosos de Curitiba também pediu ao Núcleo de Proteção à Criança e ao Adolescente Vítimas de Crimes (Nucria), da Polícia Civil, a abertura de inquérito para apurar o cometimento dos supostos crimes nos abrigos:
- maus-tratos;
- lesões corporais;
- infração ao artigo 232 do Estatuto da Criança e do Adolescente: “Submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou a constrangimento“;
O Ministério Público disse aguardar uma resposta do Nucria para decidir sobre a adoção de outras medidas. O g1 questionou a Polícia Civil sobre se o pedido foi recebido e aguarda uma resposta.
Em nota, a FAS disse que todas as unidades de acolhimento municipais são periodicamente fiscalizadas. A prefeitura negou ter havido omissão por parte do município e que, preventivamente, afastou quatro funcionários da Casa do Piá I. A seguir a íntegra das manifestações.
Na próxima segunda-feira (13), a presidente da Fundação de Ação Social (FAS), Maria Alice Erthal, e equipe deverão participar de sessão da Câmara Municipal de Curitiba(CMC) para esclarecer questões relacionadas às denúncias ao acolhimento de crianças e adolescentes com medidas de proteção.
Presidente da FAS, Maria Alice Erthal, em sessão da CMC em novembro de 2023 — Foto: Rodrigo Fonseca/CMC
‘Grave de violência institucional’
Conforme o Ministério Público, a reportagem publicada no mês passado sobre a Casa do Piá 1 trata de:
“Grave de violência institucional em face de crianças e adolescentes acolhidos e reportou a falta de qualificação e capacitação dos servidores e terceirizados no manejo com os acolhidos, sendo indiscutível que foram submetidos à violência física, moral e psíquica, que vão desde o fato da unidade passar por períodos de superlotação, até o uso de castigo físico, com exposição dos meninos à situação vexatória, cruel e degradante.”
Segundo a promotoria, o município não tomou qualquer providência emergencial para identificação dos servidores e cuidadores envolvidos e só abriu sindicância para apurar o episódio em 1º de maio, após reunião com o Ministério Público realizada no dia anterior.
O Ministério Público diz que inspeção na Casa do Piá 1 encontrou diversos problemas relacionados à terceirização da prestação do serviço de cuidador, bem como a falta de capacitação de tais profissionais.
A inspeção também encontrou no local:
- alimentos manipulados congelados sem data de manuseio e vencimento;
- alimentos secos guardados em potes sem data de validade;
- alimentos vencidos na despensa e na geladeira;
- proteína animal com embalagem estufada (perda de vácuo);
- água parada acumulada na concretagem da piscina desativada e lixo acumulado na parte externa;
- sofá em péssimas condições de higiene e conservação, colchões rasgados.
Câmeras de segurança e profissionais capacitados: os pedidos do MP
Na ação civil pública o Ministério Público pede que a Justiça determine à Prefeitura e à FAS a adoção de uma série de medidas como a substituição imediata dos cuidadores e educadores lotados na Casa do Piá 1 que não tenham a capacidade técnica necessária, além da capacitação adequada dos novos profissionais.
A promotoria pede também a revisão imediata do contrato firmado entre a FAS e a empresa contratada para fazer o cuidado dos adolescentes acolhidos, “para que sejam sanadas as omissões quanto a obrigações da empresa relacionadas ao serviço contratado”.
Outro pedido do MP-PR é que a instalação pela prefeitura de câmeras de segurança com áudio em todas as Unidades de Acolhimento Institucional Governamentais.
Conforme a Prefeitura de Curitiba, a FAS tem oito unidades de acolhimento institucional (UAIs), com capacidade total para 155 crianças e adolescentes. São elas: Casa do Piá I, II, III e IV, UAI Santa Felicidade, UAI Madre Antônia, UAI Nova Esperança e UAI Casa V.
O que dizem a FAS e a Prefeitura de Curitiba
Leia a íntegra da nota enviada pelo município e pela Fundação de Ação Social:
“A Fundação de Ação Social (FAS) ressalta que todas as unidades de acolhimento de crianças e adolescentes mantidas pelo município são periodicamente fiscalizadas pela Promotoria da Criança e do Adolescente, do Ministério Público do Paraná, e pelos Conselhos Tutelares.
A FAS esclarece que não houve inércia nem omissão do município no caso de investigação de possíveis irregularidades e maus-tratos na Casa do Piá I.
A FAS informa também que comprovará em juízo que as alegações do Ministério Público, na tentativa de desqualificar o trabalho feito pela FAS, não são verdadeiras.
No dia 26 de abril, a FAS encaminhou para a Procuradoria Geral do Município (PGM) pedido de investigação de possíveis casos de maus-tratos na Casa do Piá I.
A Comissão Permanente de Sindicância da PGM já iniciou uma rigorosa apuração, com total transparência. A comissão espera concluir os trabalhos o mais rápido possível.
A FAS ainda esteve reunida com o Ministério Público no fim de abril. O MP fez recomendações, em relação à estrutura da unidade, que foram prontamente atendidas pela Fundação.
Além disso, preventivamente, 4 funcionários da Casa do Piá I foram afastados.
A FAS reitera que não compactua com qualquer situação de violência em suas unidades de atendimento às pessoas em vulnerabilidade e risco social.
Situações de qualquer ordem relatadas à fundação são rigorosamente investigadas.
Situações de maus-tratos a crianças e adolescentes podem ser denunciadas por qualquer cidadão, mesmo que anonimamente, na Central 156, no Disque 100 – do Governo Federal -, no Ministério Público e nos Conselhos Tutelares.”