OAB-PR pede afastamento imediato de desembargador que disse que ‘mulheres estão loucas atrás dos homens’

Neste sábado (6), a ordem disse que o pedido cautelar de afastamento foi feito em reclamação disciplinar ao corregedor nacional de Justiça, ministro Luís Felipe Salomão. A organização também pede que o magistrado do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) seja removido da 12ª Câmara Cível da Corte.

O g1 tenta contato com o TJ-PR e com o desembargador.

No documento, a presidente da OAB-PR, Marilena Winter, afirma que o afastamento é “imperioso” antes mesmo da abertura de procedimento administrativo, até que os fatos sejam apurados.

A declaração de Espíndola foi feita em uma sessão que decidia sobre uma medida protetiva que proíbe um professor de se aproximar de uma aluna de 12 anos que se sentiu assediada. Assista acima.

“As manifestações do Desembargador são graves. Afirmar que ‘as mulheres estão loucas atrás dos homens’ e deveriam se sentir lisonjeadas pela atenção masculina, bem como que os discursos feministas são fruto de uma ‘falta de homem’, além de discriminatório, reforça preconceitos, pré-julgamentos e estereótipos de gênero, como se as mulheres fossem criaturas dependentes da aprovação, aceitação e desejo masculino”, argumenta a presidente.

O procedimento foi aberto pelo corregedor nacional em função de “discurso potencialmente preconceituoso e misógino em relação à vítima de assédio envolvendo menor de 12 anos”.

Após o caso vir à tona na última quinta-feira (4), o TJ-PR publicou nota pública do desembargador. Leia a íntegra:

“Esclareço que nunca houve a intenção de menosprezar o comportamento feminino nas declarações proferidas por mim durante a sessão da 12ª Câmara Cível do tribunal, afinal, sempre defendi a igualdade entre homens e mulheres, tanto em minha vida pessoal quanto em minhas decisões. Lamento profundamente o ocorrido e me solidarizo com todas e todos que se sentiram ofendidos com a divulgação parcial do vídeo da sessão.”

Protocolo de promoção da igualdade de gênero

A OAB-PR afirma na representação ao CNJ que a atitude de Espíndola, que também preside a12ª Câmara Cível do TJ-PR, “mostra o completo desrespeito por parte do magistrado à prática do julgamento com perspectiva de gênero, determinada pelo próprio Conselho”.

A 12ª Câmara Cível é a responsável no tribunal por julgar casos de Direito de Família, união estável e homoafetiva.

Desembargador Luis Cesar de Paula Espindola, do TJ-PR — Foto: Reprodução

“Tal comportamento demonstra não apenas um elevado grau de desconhecimento sobre a Resolução nº 492/2023 para julgamento com perspectiva de gênero, de cumprimento obrigatório pelos magistrados e tribunais, mas revela um profundo desrespeito para com as mais recorrentes vítimas de todo tipo de violência: as meninas e mulheres brasileiras. Sua postura profissional deixa o universo dos fatos, dos dados e do direito para ser fundamentada em opiniões destituídas de força normativa. Não há em sua atuação o compromisso com os deveres da magistratura, nem mesmo com justificativas para quando deixa de aplicar e observar normas vigentes”, diz o documento formulado pela OAB-PR.

A OAB-PR sustenta que o desembargador vem apresentando conduta incompatível com o exercício do cargo, “notadamente em uma turma que trata quotidianamente de violência intrafamiliar”.

No documento ao CNJ, a ordem diz realizar iniciativas voltadas à promoção da igualdade de gênero, mas que tais condutas não são adotadas pelo desembargador.

“Isso se evidencia nas sessões de julgamento em que o Desembargador Luís César de Paula Espíndola participa, onde ele demonstra claramente sua resistência ao sistema de combate à violência de gênero, recusando-se repetidamente a aplicar o Protocolo de Julgamento com perspectiva de gênero”, diz o texto

Corte julgava proteção a menina que se sentiu assediada

No caso analisado pelo colegiado na última quarta, a derrubada da medida protetiva em debate envolveu uma aluna de 12 anos que sentiu assediada por professor de uma escola pública do interior do estado

O julgamento levou em conta mensagens com elogios enviadas no meio da aula para o celular da menina. Além disso, o professor foi investigado e absolvido na área criminal por suspeita de ter importunado a criança.

Por quatro votos a um, o tribunal decidiu manter a medida protetiva que proíbe o docente de se aproximar da vítima. O voto contrário foi do presidente. Ao justificar o voto, Espindola disse que não concorda com a atitude, mas que não há provas contra o professor.

“Muito embora essa conduta, né, para alguns não seja própria e eu até concordo que para mim não seria próprio, mas hoje em dia, a relação aluno e professor, sabe, a gente vê, não só… Lá é uma comarcazinha pequena, do interiorzão, todo mundo se conhece, sabe? É diferente de uma assim… de uma Curitiba da vida, sabe, ou de uma cidade maior”, disse Espindola.

Logo após o desembargador proclamar o resultado, a desembargadora Ivanise Trates Martins, que não fazia parte do quórum, se manifestou:

“Nós, mulheres, sofremos muito assédio desde criança, na adolescência, na fase adulta, e há um comportamento masculino lamentavelmente na sociedade que reforça esse machismo estrutural, ou que hoje a gente chama de machismo estrutural, que é poder olhar, piscar, mexer, dizer que é bonitinha, ‘uma sua roupa tá com você, tá?’ Puxa esse jeitinho de fazer de conta que tá elogiando, mas que, nós mulheres, percebemos a lascívia quando os homens nos tratam dessa forma. E talvez os homens não saibam ou não tenham ideia do que uma mulher sente quando são tratadas com uma lascívia disfarçada. Nós sabemos, uma piscadinha, um olhar, quem sabe numa sala de aula, ou em qualquer outro lugar, extremamente constrangedor, extremamente constrangedor”, disse Ivanise.

Em seguida, o presidente da 12ª Câmara Cível voltou a se pronunciar:

“Vem com o processo um discurso feminista desatualizado, porque se essa vossa excelência sair na rua hoje em dia o que quem tá assediando, quem está correndo atrás de homens são as mulheres, porque não tem homem, sabe? Esse mercado é um mercado que está bem diferente. Hoje em dia sabe o que o que existe, essa é a realidade as mulheres estão loucas atrás dos homens, porque são muito poucos sabe? Esse é o mercado… É só sair à noite, eu não saio muito à noite, mas eu eu conheço, tenho funcionárias, tenho sabe… tenho contato com o mundo. Nossa, a mulherada tá louca atrás do homem sabe? Louca para levar um elogio, uma piscada, sabe? Uma cantada educada, porque elas é que estão cantando, elas que estão assediando, porque não tem homem, essa é a nossa realidade hoje em dia, não só aqui no Brasil sabe? Isso é óbvio, né? Hoje em dia os cachorrinhos estão sendo os companheiros das mulheres, vai no parque só tem mulher com cachorrinho, louca para encontrar um companheiro para conversar e eventualmente para namorar. Agora a coisa chegou num ponto hoje em dia entendeu? Que as mulheres é que estão assediando, sabe? Não sei se vossa excelência sabe, professores de faculdade, sabe, são assediados. É ou não é, doutora? Quando sai da faculdade, ele deixa um monte de ‘viúva’, a gente vê, cansado de ver isso e sabe disso sabe? Então, tudo é muito, é muito, é muito pessoal, esse é um discurso que eu acho que está superado, sabe, as mulheres ninguém tá correndo atrás de mulher porque tá sobrando”

Durante a tarde, o TJ-PR retirou do ar o vídeo da sessão em que o desembargador fez o pronunciamento sobre as mulheres. Conforme a Corte, o material foi retirado para preservar as partes envolvidas, considerando que o processo tramita em segredo de justiça.

Luis Cesar de Paula Espíndola — Foto: TJ-PR

Desembargador já foi condenado por agredir a própria mãe e a irmã

O desembargador já foi condenado, em 2018, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), pela Lei Maria da Penha, por agredir a própria mãe e a irmã.

O STJ condenou Espindola a 7 meses de prisão, mas a pena não foi aplicada porque o caso prescreveu.

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